O ano era 2003. A cidade era Mossoró, localizada no Rio Grande do Norte. Quatro amigos se destacavam: Rogerlan, Hildonésio, Jataniel e Samuel. Todos músicos amadores e envolvidos em grupos de louvor de suas igrejas, mas, um tanto quanto, frustrados com a limitação musical dentro da esfera eclesiástica. Entre os rapazes, um grande ponto em comum, além do óbvio gosto musical, havia o desejo de criar algo além dos muros da congregação.
Dentre as conversas, surgiu a ideia de formar a banda Kromus, um nome resultante da combinação das palavras "Chronos", que representa o tempo humano com princípio e fim, e "Música", uma expressão que reforçava a chegada do momento propício para sua arte. Escolheram esse nome também como homenagem à antiga banda de Jataniel, Kairós, que representava o tempo divino.
Com os papéis definidos — Hildonésio nos vocais e contrabaixo, Rogerlan nos acordes do violão, Samuel na guitarra distorcida e Jataniel na bateria — enfrentaram obstáculos iniciais: falta de instrumentos próprios, ausência de espaço para ensaios e repertório limitado.
Importante mencionar que eram jovens sem experiência comercial, familiaridade musical fora da igreja e noções de criação e produção musical. Apesar disso, até que superaram as limitações e avançaram.
Curiosamente, a composição inicial, "Hey Boy!", marcou o ponto de partida. Com escassos recursos e conhecimento técnico, produziram uma gravação caseira. Essa gravação, embora tenha sido livre de metrônomo e feita com equipamentos improvisados, surpreendentemente obteve resultados satisfatórios.
Os ensaios começaram, mas sem um local fixo, muitas vezes ocorriam nas igrejas, lugares que não eram apropriados. Além disso, todos os instrumentos eram emprestados. Mesmo assim, a banda evoluiu gradualmente até que surgiu a primeira oportunidade de uma apresentação pública.
Kromus fez sua estreia no centro da Avenida Alberto Maranhão, diante de um público predominantemente ligado às igrejas. Embora nervosos, apresentaram "Hey Boy!", sua única composição autoral, e "Luz do Mundo", um cover da banda Militantes. Esse marco impulsionou a busca por mais oportunidades.
A música "Hey Boy!" alcançou o rádio, em uma estação comunitária cristã, conquistando um espaço na programação vespertina. Esse sucesso trouxe convites para eventos e entrevistas, culminando em um show no SESI Mossoró [1].
No entanto, desafios persistiram. A busca por um baterista tornou-se constante. Com um repertório mais amplo, Hildonésio achou difícil cantar e tocar simultaneamente. Jataniel, então, trocou a bateria pelo contrabaixo, enquanto Hildonésio focou nos vocais, e com isso precisavam de um novo baterista.
Alex Nogueira, apelidado de "Pedal", assumiu as baquetas após essa mudança. Claramente, ele tinha muito mais bagagem e possuía habilidades acima dos demais componentes do grupo. Mas seu interesse pela experimentação moldaram uma formação coesa.
Essa mesma formação também teve a oportunidade de se apresentar no Intervalo Cultural, um evento regular que acontecia no Auditório do CEFET mensalmente [2]. Com um repertório mais diversificado e o aumento dos convites para apresentações, o entrosamento e a dinâmica dos ensaios foram aprimorados. No entanto, a permanência de Alex no grupo foi efêmera e sua saída marcou o próximo capítulo dessa jornada.
Alex teve que se desligar devido a outros compromissos, impossibilitando sua permanência no grupo. Além disso, Rogerlan, por ter ingressado na faculdade, não conseguia mais conciliar seu tempo com a banda. Assim, a banda, que estava em pleno crescimento, teve sua primeira pausa.
Diante dessa nova realidade, os três membros remanescentes decidiram repensar a proposta da banda. Foi nesse contexto que se cruzaram com o guitarrista Pablo Forlan, com quem estabeleceram uma conexão instantânea. A entrada de Pablo introduziu um estilo mais distintivo, que contrastava com sua experiência prévia restrita ao louvor congregacional. Nesse ponto, a banda adotou definitivamente um enfoque mais voltado ao punk rock. O repertório tornou-se mais enérgico e robusto, experimentando inclusive novas versões para a música "Hey Boy!". Os ensaios passaram a ser mais fluidos e empolgantes.
Um elemento notavelmente unificador surgiu na forma de dois novos sujeitos: Vinícius e André. Eles rapidamente estabeleceram uma ligação próxima com o grupo, demonstrando visível entusiasmo nos ensaios, músicas e bate-papos com os membros. Sua empolgação era palpável e contagiava todos ao redor. Vale destacar que Vinícius, em diversas ocasiões, conseguiu emprestar instrumentos de músicos locais, os quais, muitas vezes, desconheciam a existência da banda. Essa atitude possibilitou que o grupo tivesse os recursos necessários para ensaiar e se apresentar. Além disso, não podemos esquecer dos esforços de Jataniel para assegurar equipamentos emprestados da igreja à qual pertencia, muitas vezes enfrentando resistências de outros membros do grupo de louvor da igreja e até da própria liderança. A dedicação de todos resultou em um progresso para a banda.
Para marcar a estreia dessa formação renovada, o baterista Tácio Medeiros, também conhecido como Tacinho, um jovem ainda pré-adolescente, mas com notável talento, assumiu as baquetas. Nesse ponto, o repertório já abrangia músicas de bandas como Rodox, Virtud e também Militantes. E assim, chegava o momento aguardado: o controverso show promovido pelo site de cobertura de eventos GospelClicks [3].
É inegável que a mudança de estilo do grupo pegou muitos de surpresa. Especialmente aqueles que haviam acompanhado as primeiras apresentações. Os apresentadores do evento, inclusive, não receberam muito bem o peso das guitarras distorcidas, a ponto de desligarem os equipamentos de som durante a apresentação. No entanto, a resposta positiva da maior parte do público deixou claro para a banda que estavam no caminho certo. Infelizmente, após esse episódio, os pais do baterista decidiram não permitir que ele continuasse com o grupo. Essa decisão teve um impacto significativo no percurso da Kromus.
Com o surgimento de novos convites, a banda logo encontrou um novo "baterista" para preencher o posto vago: Pablo Diego, que na verdade era um tecladista. Apesar de não ser um baterista de formação, ele se aventurou no instrumento e muito bem. No entanto, sua participação foi efêmera, limitando-se aos ensaios e a um único evento. Esse evento em particular foi verdadeiramente memorável. Aconteceu na EXPOTEC 2004 [4], um evento realizado pelo CEFET, por convite de um grupo de alunos.
Na EXPOTEC, a estrutura era modesta, com os instrumentos conectados a caixas de som amplificadas dentro de uma sala de aula. A banda se posicionou no centro e o público ao redor, criando uma atmosfera íntima e intensa. A performance ressoou de forma visceral, e o repertório denso e enérgico fez do evento uma experiência de aprendizado sobre presença de palco e conexão com a plateia.
Após esse evento, um novo amigo se aproximou do grupo — Lindimar. Ele era um admirador de músicas mais pesadas e ficou particularmente impressionado com a performance da banda. Logo, ele se conectou fortemente com Jataniel e Hildonésio, proximidade que foi crucial para duas questões: a chegada do último baterista da banda, um jovem chamado Dário; e a descoberta de um novo local para os ensaios, o estúdio do guitarrista Helicarlos Herrera. Esse espaço proporcionou à banda um ambiente adequado e equipamentos apropriados para aprimorar suas performances e fortalecer sua musicalidade.
Com Dário assumindo as baquetas, é possível afirmar que essa formação se mostrou a mais duradoura. A partir desse ponto, a banda experimentou uma sequência sólida de apresentações, frequentemente participando de eventos voltados para jovens em igrejas como a Presbiteriana do Liberdade II e a Batista Fé e Vida no Liberdade I. Além disso, eles se apresentavam em praças e escolas, sempre mantendo fielmente o estilo característico da banda.
E então surgiu mais uma controvérsia. No Natal de 2004, a banda se preparou para uma apresentação especial da música "Feliz Natal" do Fruto Sagrado. Esse especial estava planejado para incluir a participação de crianças e seria completamente acústico. A ideia era que a música fosse executada antes da tradicional peça teatral que representava o nascimento de Jesus, na Igreja Batista Betel.
No entanto, na hora marcada para a apresentação, surgiu um desentendimento com a direção da igreja. O ponto de discórdia estava nas vestimentas do grupo, especialmente em relação ao guitarrista Pablo, onde faltavam alguns centímetros de tecido para que sua calça fosse considerada adequada. Esse incidente foi lamentável, mas refletia a realidade das doutrinas daquela época, que muitas vezes se concentravam em detalhes pequenos e bobos, enquanto, muitas vezes, deixavam de lado o propósito mais amplo da mensagem que estava sendo transmitida.
A próxima apresentação marcaria o último capítulo da trajetória da banda. O convite veio dos jovens da Igreja Batista do Sumaré. No entanto, o desdobramento foi surpreendente e fora do comum. O pastor da igreja tentou impor um repertório baseado em hinos antigos, que eram desconhecidos por todos os membros da banda. Além disso, a banda foi cobrada a providenciar a estrutura de som para o evento, que se tratava das conferências de aniversário da igreja. Diante de uma situação tão peculiar e inusitada, a banda se viu obrigada a recusar o convite.
Essas experiências ilustram como as expectativas e abordagens divergentes podem surgir no contexto da música cristã underground e como esses desafios podem impactar o caminho de uma banda.
Poucos dias depois, ocorreu o último ensaio, com a ausência de Jataniel, Pablo assumiu o contrabaixo. Foi um ensaio notável, marcado pela exploração de novas músicas, incluindo faixas da banda P.O.D, como "Alive" e "Sleeping Awake". O grupo conseguiu montar um repertório diferente do habitual. No entanto, ao término desse ensaio, o baterista Dário compartilhou uma notícia que pegou todos de surpresa, revelando que estava fazendo as malas de partida para São Paulo, e que aquele momento seria o seu último contato com a banda.
Praticamente com apenas três membros restantes, era hora de encerrar os trabalhos da banda. Já era o ano de 2005, e nesse momento Samuel estava imerso em composições autorais que ainda não haviam sido compartilhadas com os colegas. Decidiu guardá-las para si. O sentimento de dívida em relação à história que a banda havia construído pairava no ar. Faltava o ponto final, aquele fechamento definitivo.
Apesar dessa sensação de inacabamento, todos os membros concordaram que a jornada havia sido valiosa e repleta de experiências significativas. Cada desafio, apresentação e interação moldou a trajetória da Kromus de maneira única. Embora não houvesse um encerramento formal, a banda podia olhar para trás com orgulho por tudo o que haviam conquistado. Era o fim de um capítulo, mas o legado e as memórias permaneceriam vivos. Foi, sem dúvida, uma jornada marcante e enriquecedora.